sábado, novembro 23, 2024

Kim Deal, Opus 1

É mesmo uma estreia: aos 63 anos, Kim Deal, uma brilhante "ex-" de várias bandas indie (Pixies, The Breeders, The Amps), lança Nobody Loves You More, o seu primeiro álbum a solo. É uma coleção breve (pouco mais de meia hora...) de 11 canções capazes de conciliar uma multifacetada sofisticação musical com o fôlego discreto da mais pura intimidade — o tema-título apresenta-se num belo teledisco realizado por Alex Da Corte.

sexta-feira, novembro 22, 2024

St. Vincent canta em espanhol

É um dos grandes lançamentos de 2024: All Born Screaming, sétimo álbum de estúdio de St. Vincent tem, desde 15 de novembro, a sua edição em espanhol — Todos Nacen Gritando. Eis a canção-título: una maravilla muy especial.
 

Martin Scorsese
— a solidão radical do cinema

Foi no começo da década de 1960 que Martin Scorsese teve, pela primeira vez, a ideia de filmar uma vida de Jesus — o livro Conversas sobre a Fé (ed. Casa das Letras), formado por diálogos entre o realizador e o jesuíta e teólogo Antonio Spadaro, evoca esse facto, cruzando-o com uma reflexão plural sobre a filmografia do cineasta.

Martin Scorsese
Procurando esclarecer os muitos cruzamentos do cinema e da fé na vida de Martin Scorsese, a certa altura Antonio Spadaro questiona-o sobre o facto de ter pensado “num filme sobre Jesus desde os anos sessenta”. Numa longa resposta, Scorsese recorda que cresceu numa família em que “ninguém lia livros” em paralelo com o facto de, desde muito cedo, o levarem a ver filmes com regularidade. Fala da conjugação, no seu olhar, da “arte na igreja” com o “movimento num ecrã”, recorda os estudos no Washington Square College (que se tornou a New York University) e refere esse projecto do começo da década de 1960: “Naquela altura queria fazer a história de Jesus: 16 mm, a preto e branco, nos dias de hoje, filmado no Lower East Side, nos prédios degradados e em Bowery, culminando na crucificação nas docas do rio Hudson, junto à West Side Highway… que já lá não está.”
Para Scorsese, a aproximação cinematográfica da personagem de Jesus começou, assim, pontuada por um desejo de realismo indissociável da sensibilidade de uma nova geração de cineastas que terá tido a sua “bandeira” na primeira longa-metragem de John Cassavetes, Shadows/Sombras (1959), uma crónica novaiorquina rodada em 16 mm, a preto e branco.
Scorsese acabou por desistir do projecto, em 1964, quando viu O Evangelho Segundo São Mateus, de Pier Paolo Pasolini, reconhecendo que o autor de Accattone (1961) e Mamma Roma (1962) já tinha concretizado aquilo que, para ele, não passou de um sonho. Permaneceu o essencial: o fascínio por personagens, não autobiográficas, mas com ecos muito pessoais e obsessivos, vivendo as convulsões de uma tragédia íntima centrada na possibilidade (ou na impossibilidade) do triunfo do Bem e, mais do que isso, na reconciliação de cada uma dessas personagens com os seus próprios fantasmas — encarnação exemplar de tal lógica dramática seria Johnny Boy, em Mean Streets/Os Cavaleiros do Asfalto (1973), primeira presença de Robert De Niro no universo de Scorsese.
Scorsese é o primeiro a reconhecer e sublinhar que, antes mesmo de ter realizado a sua “trilogia religiosa” — A Última Tentação de Cristo (1988), Kundun (1997) e Silêncio (2016) —, encontramos na sua filmografia várias personagens assombradas por uma missão, concreta ou imaginada, que os ultrapassa e, mais do que isso, ameaça destruir. É o caso do motorista de taxi Travis Bickle, em Taxi Driver (1976) e do pugilista Jake La Motta, em O Touro Enraivecido (1980), este múltiplas vezes evocado no livro com Spadaro. Com duas colaborações que estão longe de ser secundárias na dinâmica temática e narrativa de toda a obra de Scorsese: são personagens interpretadas por Robert De Niro e ambos os filmes têm como base argumentos de Paul Schrader (no segundo, com a colaboração de Mardik Martin).

Dois romances

No centro de tudo isto está, obviamente, A Última Tentação de Cristo, adaptando o romance de Nikos Kazantkakis (disponível com o título A Última Tentação, Edições 70, 2023). O Cristo interpretado por Willem Dafoe é um ser empenhado em afirmar uma irredutibilidade divina que não emana de nenhuma entidade institucional, nem se aquieta num conceito geográfico, nacional ou político. Como diz Dafoe, a certa altura, questionando a multidão dos seguidores de Cristo: “Pensam que Deus vos pertence? Não pertence. Deus é um espírito imortal que pertence a todos, a todo o mundo. Pensam que são especiais? Deus não é um israelita!”
É na impressionante cena da crucificação que o Cristo de Scorsese enfrenta o silêncio do Céu com a pergunta da mais radical solidão: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” É a mesma pergunta que Shusaku Endo destaca no seu Uma Vida de Jesus (edições Asa, 2002), precisamente o romance que deverá servir de base a um filme (A Life of Jesus) que Scorsese tem vindo a preparar e adiar ao longo das últimas décadas. Daí também a incompreensão manifestada pelos discípulos face à tenacidade, e à recusa de espectáculo, com que Jesus defende o primado do Amor. Ou como escreve Endo: “Decididamente, o discípulos eram exactamente como nós, um punhado de homens banais, fracos e cobardes.”

domingo, novembro 17, 2024

Ozbolt
* The Organs Of Matter Wheel (2024)

sexta-feira, novembro 15, 2024

A morte quotidiana do pudor

Carol (Todd Haynes, 2015): Cate Blanchett e Rooney Mara

No espaço público, há quem fale ao telemóvel como se estivesse no recato de sua casa: a solidão já não é o que era — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 outubro).

Cena do quotidiano nº 1: num autocarro cheio, um passageiro marca um número no telemóvel e começa a falar com alguém que poderá ser um parente próximo; falam de uma pessoa de família limitada por uma saúde precária, situação que coloca problemas em relação à sua assistência diária e também à gestão da sua conta bancária — a conversa dura a totalidade dos 50 minutos da viagem.

Cena do quotidiano nº 2: num comboio, alguém atende uma chamada no telemóvel, encetando um diálogo pormenorizado por causa de um problema suscitado por uma pessoa que trabalha numa escola; parece haver um enorme mal-estar gerado pelo não cumprimento das regras hierárquicas — a conversa começa algures no meio do país e dura mais de uma hora, até à entrada na estação onde termina a viagem.

Cena do quotidiano nº 3: numa carruagem do metro, ouve-se um telemóvel que é atendido por uma voz ansiosa, em tom algo agastado, perguntando de imediato se a encomenda já foi entregue; segue-se uma altercação que faz supor que, do outro lado, está alguém que não consegue explicar o que aconteceu — o passageiro sai meia dúzia de estações mais à frente, sem interromper o telefonema, continuando a dialogar com a mesma energia.

* * * * *
Que fazer com estes sons que habitam o nosso quotidiano? Não estou a colocar uma questão banalmente pessoal, quanto mais não seja porque, como é fácil perceber, estive longe de ser o único a escutar tais conversas — em boa verdade, a ser socialmente coagido a escutá-las na companhia de uma pequena multidão involuntária e relutante.
Também não quero suscitar qualquer especulação pueril sobre o facto de o telemóvel ser uma aquisição cujo misto de utilidade e fascínio não está em causa. Além do mais, todos temos consciência das funções paradoxais que um telemóvel pode desempenhar, seja na futilidade de uma rixa de namorados, seja num momento trágico em que pode estar em jogo a sobrevivência de seres humanos.
A minha pergunta é: onde está o pudor? Que é feito desse equilíbrio de exposição e contenção que aprendemos também no cinema, através de filmes como Esplendor na Relva (Elia Kazan, 1961), Beijos Roubados (François Truffaut, 1968), Olhos Negros (Nikita Mikhalkov, 1987), A Idade da Inocência (Martin Scorsese, 1993) ou Carol (Todd Haynes, 2015)?
Ao formular tal pergunta, sei dos muitos equívocos que posso atrair, em parte semelhantes aos que, ciclicamente, algumas almas sofridas tentam relançar, preocupados com o “sexo e violência” que se vê nos filmes. Num livrinho muito interessante sobre a evolução dos conceitos de pudor, anterior à idade digital em que estamos a viver (Histoire de la Pudeur, ed. Olivier Orban, 1986), Jean Claude Bologne lembrava o óbvio: qualquer figuração ou narrativa do pudor existe historicamente determinada. Com serena ironia, refere, por exemplo, que “uma mulher nua no século XVII pode ser mais pudica que uma mulher vestida”. Por isso mesmo, não confundamos o assunto com a miséria jornalística da imprensa “cor-de-rosa”, massacrando o seu público com o inventário dos centímetros de pele nua revelados por uma qualquer vedeta de telenovelas.
Perguntar onde está o pudor é, antes do mais, reconhecer as convulsões que têm abalado o chamado espaço público. A obscenidade do Big Brother televisivo e a estupidez social em rede violentaram as coordenadas — mais do que isso: os valores — da privacidade. No limite, muitas pessoas passaram a ignorar, para não dizer menosprezar, o mínimo de recato em relação à sua vida privada.
Os exemplos de utilização dos telemóveis não passam de uma gota de água num oceano de relações humanas em que o pudor é quotidianamente assassinado em nome de uma indiferença visceral. Indiferença em relação aos outros, sem dúvida, mas também indiferença de cada um em relação às singularidades e enigmas da sua própria identidade. Na sua dimensão mais perturbante, são histórias de uma terrível solidão: aquela que não reconhece a solidão do outro.

segunda-feira, novembro 04, 2024

O esplendor de Lady Gaga

Sob o signo de Joker

A composição de Lady Gaga como Harley Quinn, contracenando com Joaquin Phoenix, em Joker: Loucura a Dois, é a prova muito real de um talento que passa pelas canções, mas não se esgota na música: ela é também uma verdadeira estrela de cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 outubro).

O novo álbum de Lady Gaga, lançado a 27 de setembro, é um belo reflexo das singularidades do seu imenso talento. Chama-se Harlequin e, além de dois temas originais, apresenta como matéria principal as canções da banda sonora de Joker: Loucura a Dois. Não exactamente tal como se ouvem no filme, mas trabalhadas em estúdio para recriar algumas memórias clássicas do cancioneiro made in USA.
No seu alinhamento encontramos, por exemplo, Good Morning, tema interpretado por Judy Garland e Mickey Rooney em Babes in Arms/De Braço Dado (1939), de Busby Berkeley, porventura mais conhecido pela sua utilização em Serenata à Chuva (1952), de Gene Kelly e Stanley Donen. Ou ainda That’s Entertainment, verdadeiro hino do espectáculo segundo Hollywood, proveniente de The Band Wagon/A Roda da Fortuna (1953), de Vincente Minnelli — agora, na cena da prisão em que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) e os outros reclusos assistem a um filme através de um velho projector de 16mm, esse filme é, justamente, The Band Wagon, na cena em que Fred Astaire, Jack Buchanan, Nanette Fabray e Oscar Levant cantam That’s Entertainment.
Quer isto dizer que Harlequin reafirma a capacidade de Lady Gaga revisitar e reinventar temas viscerais do imaginário americano do espectáculo, prolongando a lógica criativa de Cheek to Cheek (2014) e Love for Sale (2021), os dois belíssimos álbuns que gravou com Tony Bennett. Tal princípio artístico duplica-se na notável composição de Harley Quinn, muito para lá de qualquer função de mero “apoio” (“supporting actress”, diz o cânone) ao Joker que Phoenix refaz com inexcedível brilhantismo.
Lady Gaga distingue-se pelo esplendor das verdadeiras estrelas. O filme que a consagrou — Assim Nasce uma Estrela (2018), de e com Bradley Cooper — tem mesmo um título que se adequa tanto à sua personagem feminina como à respectiva intérprete. Aliás, depois desse filme e antes do novo Joker, vimo-la numa realização de Ridley Scott, Casa Gucci (2021), em que a sua composição, longe do registo melodramático de Assim Nasce uma Estrela, a revelava num sofisticado modelo de farsa, algures entre a alegria cómica e o artifício operático.
Semelhante versatilidade está também bem expressa na sua já muito considerável colecção de telediscos, recriando referências em que se cruzam heranças de cinema, televisão e banda desenhada. Lembremos o exemplo exuberante de Telephone, canção do álbum The Fame Monster (2009) interpretada em dueto com Beyoncé [video]. O respectivo teledisco possui a energia formal (e as cores!) de um objecto eminentemente pop encenado com o misto de provocação e irrisão que é a “assinatura” do seu realizador, o sueco Jonas Akerlund. Tendo em conta que a videografia de Akerlund inclui proezas como Ray of Light (1998), de Madonna, o menos que se pode dizer é que Lady Gaga conhece bem a sua árvore genealógica.


domingo, novembro 03, 2024

sexta-feira, novembro 01, 2024

Patti Smith / Halloween

Apesar do barulho dos vizinhos, ou precisamente por causa disso, Patti Smith celebra o Halloween — é mais um video no seu espaço na plataforma Substack, desta vez na companhia do seu pequeno morcego...

Happy Halloween by Patti Smith

Things are Batty

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